segunda-feira

cogito

eu sou como eu sou pronome pessoal intransferíveldo homem que iniciei na medida do impossível

eu sou como eu sou agora sem grandes segredos dantes sem novos secretos dentes nesta hora

eu sou como eu sou presente desferrolhado indecente feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou vidente e vivo tranquilamente todas as horas do fim.

20.10.70 torquato neto

dos sofrimentos cotidianos

Tricas...Nadinhas mil... Ridículos extremos... Enxame atroz que em torno à gente esvoaça. E disto, e só por isto envelhecemos... Nem todos podem ter uma grande desgraça!

poema do Mário Quintana

quinta-feira

Sobre tigres, lobos e cordeiros

Marcelo Coelho

Folha de S.Paulo, 22 de junho de 2005

Indicações de livros são sempre coisa arriscada; a rigor, só deveriam ser feitas a amigos próximos, a pessoas cujos interesses conhecemos bem. Mas quem atualmente se decepciona com o governo, quem já está decepcionado há tempo e quem nunca teve ilusão nenhuma a esse propósito talvez tire proveito de um pequeno e clássico livro de poemas de William Blake (1757-1827) que, pela primeira vez, é traduzido na íntegra para o português.

Trata-se de "Canções da Inocência e da Experiência", livro lançado neste ano pela editora Crisálida, de Belo Horizonte, com tradução de Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves.

Alguns poemas de Blake estão presentes em todas as antologias da literatura inglesa. São simples de ler, difíceis de entender e quase impossíveis de traduzir: é o caso de "O Tigre", texto hipnótico, obsessivo, que parece perseguir o seu leitor.

"Tyger Tyger, burning bright,/ In the forests of the night;/What immortal hand or eye,/Could frame thy fearful symmetry?" A estrofe inicial se repete no fim, como que "enjaulando" o poema, e as traduções não conseguem domá-lo completamente. "Tigre, tigre, flamante fulgor/ Nas florestas de denso negror,/Que olho imortal, que mão poderia/ Te moldar a feroz simetria?" – assim era a tradução de Paulo Vizioli, numa coletânea publicada há 20 anos.

Mário Coutinho e Leonardo Gonçalves mantêm a exótica ortografia do original e buscam seguir o ritmo de tambor na selva: "Tygre, Tygre, fogo ativo,/ Nas florestas da noite vivo;/ Que olho imortal tramaria/ Tua temível simetria?".

Melhor; ainda assim, parece mais fácil entender "in the forests of the night" em inglês mesmo, do que acompanhar a pirueta do "nas florestas da noite vivo"...

O poema, em todo caso, continua encadeando suas perguntas: "Que profundezas, que céus,/ Acendem os olhos teus? (...) Que martelo? Que elo? Tua mente/ Vem de qual fornalha ardente?". Em inglês: "In what distant deeps or skies,/Burnt the fire of thine eyes? (...) What the hammer? what the chain,/ In what furnace was thy brain?".

As seis estrofes repetem a mesma inquietação: de onde vem, quem criou, quem forjou esse animal terrível? O tom de ameaça culmina numa última questão: "Did he who made the Lamb make thee?" ("Quem te fez, fez também o Cordeiro?", traduz Paulo Vizioli).

O clima de terror romântico, a concisão e a eletricidade de alguns versos tornam "O Tigre" um poema inesquecível. Mas, de minha parte, sempre me pareceu que havia algo de inconvincente, não sei se de exagerado, de sensacionalista, naquilo tudo... Talvez porque um tigre não me pareça o animal mais terrível, mais demoníaco de toda a criação. A beleza do felino depõe, a meu ver, bastante a favor do Pai Celeste – que talvez não estivesse tão inspirado quando fez o cordeiro. De qualquer modo, um poema sobre o lobo, ou o chacal, talvez funcionasse melhor... Preferências zoológicas à parte, para mim é como se o poema de Blake estivesse tentando dizer uma "outra coisa" que não se revela; sua simplicidade não se entrega, parece fechar-se em si mesma.

Mas "O Tigre" pertence à segunda parte do livro – as "Canções da Experiência". Daí a vantagem da edição completa: é que na primeira parte, as "Canções da Inocência", pode-se ler o poema que faz par com esse. Trata-se, é claro, de "O Cordeiro" e imita a mais boboca e fofinha canção de ninar que alguém possa querer: "Cordeirinho, quem te fez?/ Pois tu sabes quem te fez?/ Deu-te a vida e deu-te pasto,/ Ribeirinho e largo prado;/ Lã macia e sem malícia (...)".

Em inglês, chama a atenção a mesma rima em "ight", que era tão sinistra no caso do tigre: "Little Lamb who made thee/Dost thou know who made thee/ Gave thee life & bid the feed,/ By the stream & o'er the mead; /Gave thee clothing of delight/ Softest clothing wooly bright (...)".

Com esta edição bilíngüe, o leitor pode então apreciar o paralelismo, as simetrias entre os poemas da primeira parte e os da segunda. Nas "Canções da Inocência", lemos versos otimistas sobre um limpadorzinho de chaminés que cumpre, feliz, o seu dever e vai para o Céu. Nas "Canções da Experiência", a realidade é bem outra. O prefácio de Mário Coutinho e Leonardo Gonçalves acrescenta informações importantes sobre aquele ofício, uma das mais horríveis modalidades de trabalho infantil inventadas pelo homem. Só crianças muito pequenas, é claro, podiam entrar nas chaminés para limpá-las; "seus joelhos e cotovelos, usados para subir, sangravam e ficavam em carne viva".

Blake, dizem os prefaciadores, foi sempre considerado um místico, um louco, um ingênuo pelos seus contemporâneos. Há, aliás, uma frase linda da sra. Blake a respeito dele: "Convivo muito pouco com meu marido. Ele está sempre no Paraíso". Gonçalves e Coutinho ressaltam a exatidão convicta com que o poeta denunciava os horrores do capitalismo inglês. Citam, por fim, o crítico Northrop Frye, para quem Blake pode ser lido em qualquer época e parecerá sempre estar se referindo às questões da atualidade.

Questões da atualidade? Não gosto de pensar que a velha "inocência" petista deu lugar à "experiência" destes dias de Delúbio e Marcos Valério. Seria nobilitar, como feitos de maturidade política, os entendimentos estarrecedores do partido com o fisiologismo. Não é também "maturidade", entretanto, o que se elogia quando Palocci e sua equipe recebem o assentimento do mercado? Quem fez Delúbio não fez Palocci?

Mas o poema de Blake, com seus cordeiros e tigres, não me parece vir tão a propósito agora quanto a frase de outro poeta, Paul Valéry: um lobo, diz ele, nada mais é que um cordeiro assimilado.

terça-feira

é bom demais ver os amigos se dando bem

saiu a lista dos vencedores do projeto arte no ônibus. um viva especial para Letícia Féres, Júlio César de Abreu e Silva, Leonora Weissmann e Sílvia Amélia

domingo

olha o blog do POESIAhoje de cara nova aí gente!!!

sexta-feira

a moda da moça bonita

querida mulher
sempre às sete da manhã
cheiro tanto o seu chulé
que às oito em ponto
estou completamente tonto.
nove horas: você me dá um fora
e noves fora
passa as dez e passa as onze
numa armadura de bronze
meio dia e meia
você ainda está de cara feia
e assim passa a sua tarde
com uma cara toda emburrada
enquanto o sovaco arde
decorando tabuada.

chega a hora do recreio
aí você se lembra de mim:
eu sou um cara manero
mas eu fui ao banheiro
e o banheiro estava cheio
uma fila enorme
todo mundo de uniforme.

quando toca o sinal,
é a hora final
pra fazermos as pazes
vou fazendo umas frases
de efeito garantido:
“só vivo contigo,”
“só penso em você,”
“dó lá si dó”
“sol fá mi ré”
“ré ré ré ré.”

mas você não dá bola
nem olha pra mim
um beijo de esmola
que é quase sem fim.
mas nem ligo pra isso
eu sei que você me ama
eu sei que você me quer
e um dia ainda me chama
pra cheirar pra sempre o seu chulé.

quinta-feira

novo porto

o salamalandro acaba de chegar a novo porto. depois de ficar de saco completamente cheio do uol, que cismou que meu blog alcançou o limite máximo, o salamalandro atravessa as barreiras do seu próprio incêndio e vem aportar aqui. mas vamos com calma. tenho ainda que aprender a usar.