domingo
2008: ano novo casa nova visual novo cores novas tudo novo
quinta-feira
heriberto yepez
Conheci a poesia do mexicano Heriberto Yépez por acaso. Certa tarde chegou no meu endereço postal uma filipeta eletrônica de uma editora anarquista mexicana (Anortecer), divulgando um livro cujo título me intrigou no ato: Por una Poética Antes Del Paleolítico y Después de la Propaganda. Mandei uma mensagem de volta, propondo um escambo: eu mandaria meu livro Zona Branca e eles me mandariam o livro de Yépez. Meu faro não me decepcionou. Resolvi traduzir alguns dos poemas, irônicos, críticos, ultracontemporâneos.
VIOLENTAM UMA GAROTA
com uma vassoura
e a deixam sem roupa e sem pele
para untar-se com o creme ponds
que acabara de comprar no
supermercado do Estado
arrombada
em um beco que já viu de tudo
menos isso
uma mulher pelada
ou melhor
esfolada
violentada até pelos olhos
com as unhas arrebentadas
como janelas de um trailler
capotado na freeway
o beco já viu de tudo
menos isso
o que resta de uma mulher
com os lábios negros
todavia pensando
aonde terá caído
o batom
que há pouco
comprara
no Barateiro*
www.hyepez.blogspot.com
escrito por Leo Gonçalves no dia 20.12.07
assuntos: arte, poesia, poesia contemporânea, política, terrorismo poético
comentário sobre o comentário abaixo (retificando informações)
sexta-feira
prêmio governo de minas gerais de literatura
os pontos negativos (não poderia deixar de haver) são, obviamente, a escassa quantidade de prêmios (um apenas para cada categoria) e a obscuridade já prenunciada no processo de seleção. repare: com tão poucas premiações, fica fácil imaginar que os poetas e escritores, já tão acostumados à política do "às próprias custas s. a.", ficam bem desincentivados de participar.
de qualquer modo, não foi sem tempo a homenagem ao grande pensador da cultura brasileira antônio cândido. no total, o governo destina R$212 mil para este projeto. sendo R$120 mil para o conjunto da obra (esta categoria não passa por concorrência, pois a homenagem é feita pela banca, antes mesmo de ser lançado o concurso), R$25 mil para um poeta e outros R$25 mil para um ficcionista, e R$7 mil para o jovem escritor mineiro. traduzindo para o bom português: o governo destina apenas R$57 mil para as premiações (posso estar bancando o idiota, mas não entendi onde foram parar os R$35 mil restantes). de qualquer forma, uma quantia realmente irrisória para quem se diz "o maior prêmio", especialmente se pensarmos nos valores que são destinados à falcatrua e à falta de educação. só esperamos que com a desculpa deste prêmio, a secretaria de estado da cultura não diminua o investimento em projetos na área de literatura dentro da lei estadual de incentivo à cultura.
para maiores informações e para conhecer o edital (não deixe de participar, o prêmio vale para todo o território nacional): www.cultura.mg.gov.br
escrito por Leo Gonçalves no dia 14.12.07
assuntos: cena cultural, literatura, outra imprensa, política, política cultural
quinta-feira
segunda-feira
hino da vitória em certas circunstâncias
de madrugada em pleno esplendor
quem senão eu como cachaças destruindo suas vítimas amadas
para dar luz à indecisa claridade de suas mesas
quem senão eu com papeizinhos luxuosas descrições feitas para calar
ou a palavra mesa as mentiras
os metros de mentiras para vestir os cotovelos do embriagado
os alfaiates estão tristes porém se cose e canta
mente-se em quantidade irmãos meus fica bela a feiúra
amorosas as pústulas grande dignidade a infâmia
no pássaro no cantor no distraído cresceram répteis
com assombro contempla sua grande barbaridade
hurrah por fim ninguém é inocente
cavalheiros brindemos as virgens não virgam
os bispos não bispam os funcionários não funcionam
tudo o que apodrece em ternura dará
olho meu coração inchado de desgraças
tanto lugar como teria para as belas aventuras
juan gelman (tradução improvisada: leo gonçalves)
sexta-feira
deu na folha de são paulo
Poeta argentino Juan Gelman ganhou o Prêmio Cervantes de 2007
sexta-feira, 29 de novembro de 2007
isso de juan gelman recirculando
Irônico desespero
por Jefferson de Souza
“e a almona é lugar onde se pescam sábalos/
e almorta é uma planta de talo herbáceo e ramoso/
e a semente dessa planta é a almorta/”
respiraria/rua/onde agora
cai a tristeza?/enchove?
mamãe trouxe a tarde/
vou manchar as toalhas/com certeza/
e adoraria o pito
que vai me passar/suavíssima/
revolvendo minha alma
com a colher da sopa/
a última coisa que fez
antes de morrer
foi esticar um fiozinho
para me pôr ao sol
escrito por Leo Gonçalves no dia 7.12.07
assuntos: américa latina, juan gelman, mercado editorial, poesia
quarta-feira
lançamento do livro "cada" de bruno brum
domingo
às vésperas do 20 de novembro
epopéia de zumbi
(nei lopes)
e de repente
era um, eram dez, eram milhares
sob as asas azuis da liberdade
nascia o estado de palmares
mas não tardou
e a opressão tentou calar não conseguiu
o brado da vida contra a morte
no primeiro estado livre do brasil
forjando ferro de ogum
plantando cana e amendoim
dançando seus batucajes
pilando milho e aipim
fazendo lindos samburás
amando e vivendo enfim
durante cem anos ou mais
palmares viveu assim
e a luta prosseguia
contra a ignorância, a ambição
até que surgiu zumbi
nosso deus, nosso herói, nosso irmão
ciente de que nenhum negro ia ser rei
enquanto houvesse uma senzala
ao invés de receber a liberdade
zumbi preferiu conquistá-la
e depois de mais três anos de guerra
o punhal da traição varou zumbi
foi a vinte de novembro
data pra lembrar e refletir
e hoje trezentos anos depois
um brado forte e varonil
ainda vem de pernambuco e alagoas
e se espalha pelo céu desse brasil
folga negro de angola
que ele não vem cá
se ele vier quilombola pau há de levar
(clique aqui para ouvir a canção)
sábado
uma preciosidade dita por pier paolo pasolini que cai muito bem aqui
"estou muito bem no mundo, acho ele maravilhoso, me sinto atado à vida, como um gato. é a sociedade burguesa que não me agrada. é a degeneração da vida do mundo. hitler foi o típico produto da pequena burguesia. mesmo stalin é um produto pequeno burguês. eu sou pela moral contra o moralismo burguês. qual é a diferença? o moralista diz não aos outros, o homem moral o diz apenas a si mesmo."
[io sto benissimo nel mondo, lo trovo meraviglioso, mi sento attrezzato alla vita, come un gatto. è la società borghese che non mi piace. è la degenerazione della vita del mondo. hitler è stato il tipico prodotto della piccola borghesia. anche stalin è un prodotto piccolo-borghese. io sono per la morale contro il moralismo borghese. qual è la differenza? il moralista dice di no agli altri, l'uomo morale lo dice solo a se stesso.]
elogio do ópio
quinta-feira
problemas de educação: ainda no clima "tropa de elite"
mas poxa! todo mundo sabe que essas medidas, todas elas, não passam de revidações. fico chocado de ver que ninguém defende a melhoria do ensino. ninguém defende um projeto de nação. o país está há tanto tempo imerso na ignorância e na falta de conhecimento que já perdeu a referência.
por pior que esteja a situação política no país, podemos dizer que esta é uma época de otimismo: nunca a inflação esteve tão baixa e por tão longo tempo, e ela chegou ao patamar que está sem nenhum choque econômico. a petrobrás acaba de descobrir um poço de gás combustível no fundo do oceano que pode colocar o brasil no patamar dos grandes exportadores. a dívida com o fmi chegou ao fim.
estamos nos preparando para sediar uma copa do mundo depois de termos sediado um pan. agora, é hora de dar educação para as pessoas. saber é poder. é a única coisa que pode tirar o país do buraco e acabar, a curto, a médio e a longo prazo, com a violência. eu queria que esse discurso contra a violência mudasse de caráter e de foco. a educação é o que faz a força de um povo. ensinar valores, conhecimentos, lucidez.
o assunto da educação no brasil é coisa séria. ando pensando muito sobre isso e vejo que são muito poucas as pessoas que tocam no problema. nem mesmo os artistas falam nele. estão todos preocupados com soluções paliativas. por isso, não reparem, voltarei a falar muito sobre isso por aqui.
terça-feira
funarte lança bolsa de estímulo à criação literária
sexta-feira
tropa de elite: alguém falou em culpa?
quinta-feira
anderson almeida e o trevo de cinco folhas para download
escrito por Leo Gonçalves no dia 8.11.07
assuntos: bloguesfera, poesia contemporânea, vanguarda
quarta-feira
um poema de viviane mosé
lúcido deve ser parente de lúcifer
a faculdade de ver deve ser coisa do demônio
lucidez custa os olhos da cara
domingo
egoísta: beatriz azevedo & josé celso
egoísta
(beatriz azevedo)
você disse que eu sou egoísta
egoísta é quem só pensa em si
como é que eu posso ser egoísta
se eu só penso em você
você é muito vaidosa
não quer dar o braço a torcer
você é muito exigente
já fez tanta gente sofrer
você não sabe como me machuca
quando diz essas coisas cruéis
coloquei meu coração a seus pés
conheci o perfume da dor
você tem tudo o que quer
e não quer tudo que tem
todos querem ficar com você
mas você não é de ninguém
escrito por Leo Gonçalves no dia 28.10.07
assuntos: música, poesia contemporânea, samba, trilha sonora
sexta-feira
um poema de william blake
o sorriso
há um sorriso que é de amor
e há um sorriso de maldade,
e há um sorriso de sorrisos
onde os dois sorrisos têm parte.
e há uma careta que é de ódio,
e há uma careta de desdém
e há um careta de caretas
que te esforças pra esquecê-la bem,
pois ela fere o coração no cerne
e finca fundo na espinha dorsal
não um sorriso que seja inédito
mas único sorriso solitário.
e entre o berço e o túmulo
somente uma vez se sorri assim;
e uma vez havendo sorrido
todas as misérias têm seu fim.
(tradução livre leve e tosca: leo gonçalves)
waly sailormoon e a teatralização: trechos de um texto de antônio cícero
uma das publicações mais bonitas de poesia que tive acesso nos últimos tempos é o livro “me segura qu’eu vou dar um troço” de waly sailormoon, publicado em 2003 pela editora aeroplano em parceria com a biblioteca nacional, organizado por heloísa buarque de hollanda e luciano figueiredo. trata-se trabalho do primeiro do baiano que, em 1972 ficou preso no carandiru por causa do porte de uma “mera bagana de fumo”.
“meu primeiro texto teve de brotar numa situação de extrema dificuldade. na época da ditadura, o mero porte de uma bagana de fumo dava cana. e eu acabei no carandiru, em são paulo por uma bobeira, e lá dentro eu escrevi “apontamentos no pav 2”. não me senti vitimizado de ver o sol nascer quadrado. para mim foi uma liberação da escritura”.
nesta edição, há um belíssimo prefácio de antônio cícero, verdadeiro testemunho de admiração e amizade por um dos poetas mais importantes que apareceram na cena brasileira dos últimos 50 anos. fiz uma pequena edição de um trecho que me toca, especialmente agora, neste instante da vida. espero que o cícero não se importe. segue o texto:
a falange de máscaras de waly salomão
(...)
em 2002, waly resume a relação entre a prisão e a escrita, dizendo que "... ver o sol nascer quadrado, eu repito esta metáfora gasta, representou para mim a liberação do escrever que eu já tentava desde a infância.
se desde a infância ele já buscava a liberação que a escritura de "me segura"viria a lhe proporcionar, então, de algum modo, a vida anterior a essa escritura devia ser por ele percebida como uma prisão ou um confinamento: confinamento do qual o carandiru tornou-se o emblema. de que se trata? são muitas as possíveis prisões. em texto sobre "me segura", intitulado "ao leitor, sobre o livro", lê-se:
sob o signo de PROTEU vencerás.
por cima do cotidiano estéril
de horrível fixidez
(waly salomão)
de que modo a poesia proporciona a liberação a quem foi confinado? o desprezo pela fixidez do cotidiano, a rejeição dos princípios lógico-formais da identidade e da contradição, a vontade de abolir as fronteiras entre o eu e os outros e o fascínio pela metamorfose são características que trazem à mente a noção de carnavalização. mas, não creio que o termo carnavalização seja adequado para caracterizar a obra de waly. na verdade, aquilo que merecia o epíteto de carnavalizante era a pessoa ou a irradiante presença de waly, inclusive na sua atividade de conferencista e nas suas aparições na televisão, mas não a sua poesia. em relação a esta, prefiro empregar o conceito que ele mesmo elegeu: o de teatralização.
“é que eu transformava aquele episódio, teatralizava logo aquele episódio, imediatamente, na própria cela, antes de sair. eu botava os personagens e me incluía, como marujeiro da lua. eu botava como personagens essas diferentes pessoas e suas diferentes posições no teatro: tinha uma agente loira babalorixá de umbanda, tinha um investigador humanista e o investigador duro. o que quer dizer tudo isto? você transforma o horror, você tem que transformar. e isso é vontade de quê? de expressão, de que é isso? não é a de se mostrar como vítima”.
a vítima é o objeto nas mãos do outro. quem aceita a condição de vítima no presente, quem diz: “sou vítima” está, ipso facto, a tomar como consumada a condição de não ser livre. é contra essa atitude de implícita renúncia à liberdade que waly teatraliza a sua situação. ao fazê-lo, ele a transforma em mera matéria prima para o verdadeiro drama, que é o que está a escrever. a vítima passa a ser apenas o papel de vítima, a máscara de vítima. por trás da máscara há o escritor. mas isso não é tudo, pois o que é o escritor senão o papel de escritor?
waly sailormoon, o marujeiro da lua, diz que: “chego nos lugares e percebo as pessoas como personagens de um drama louco”. mas não se deve cair no equívoco de supor que a teatralização consista simplesmente em opor ao mundo real o imaginário. não é o delírio ou a alucinação que waly aqui defende. não se trata de opor o teatro ao não-teatro. o que ele julga é, antes, que tudo é teatro. ao afirmar que percebe as pessoas como personagens de um drama louco, waly não quer dizer apenas que as interpreta como tais, mas que se dá conta de que são personagens de tal drama. retomando a idéia do theatrum mundi, originada na antigüidade.
mas, se tudo já é teatro, se até o fato é teatro, qual é o sentido da teatralização? por que teatralizar o que já é teatro? é que o fato social é o teatro que desconhece o seu caráter teatral. o processo que leva a esse desconhecimento ocorre, por assim dizer, “naturalmente”: como a peça que se representa no teatro do mundo parece ser sempre a mesma, os atores ignoram que se trate de uma peça, isto é, de obra humana e artificial; ignoram, em outras palavras, que seja uma dentre muitas peças reais ou possíveis, e a tomam por natureza. longe de reconhecer espontaneamente o teatro do mundo como teatro, o indivíduo, no interior da sua cultura, aceita os papéis sociais como dados ou fatos desde sempre já prontos: o que equivale, como foi dito, a tomá-los por natureza, não por teatro.
a atitude de waly é diametralmente oposta a essa. ele nunca esquece que o “fato” social é o teatro que se enrijeceu ou esclerosou a ponto de olvidar a sua natureza teatral: o teatro que se pretende superior ao teatro, que se pretende mais real do que o teatro. na medida em que tem êxito em sua impostura, a “horrível fixidez” daquilo que podemos chamar de “teatro do fato” não somente expulsa ou degrada ao segundo plano as virtualidades ainda não realizadas do presente, que o superam em riqueza, mas, além disso, congela o movimento criativo que, em princípio, exige a abertura permanente a novas possibilidades interpretativas. a teatralização walyniana funciona, portanto, como a água de mnemosune, o antídoto contra a água da fonte de lete, do esquecimento naturalizante e confinante.
(do prefácio de antônio cícero ao livro “me segura qu’eu vou dar um troço”, de waly salomão, publicado em 2003 pela editora aeroplano)
escrito por Leo Gonçalves no dia 26.10.07
assuntos: anti-academismo, antropofagia, performance, poesia, poética, política, radicalidade, teatro, vida, voz