sábado

a virgem dos desamparados



programa:

1. assistir à peça a virgem dos desamparados na zap 18 (rua joão donada, 18 - bairro serrano) nos dias 04 e 05 de julho às 20h. lotação máxima: 80 lugares. o espetáculo é gratuito, mas tem que retirar senha 30 minutos antes do início da peça.

2. tomar uma cervejinha no bar da rose depois.

sexta-feira

aimé césaire

aimé césaire é um dos mais interessantes poetas vivos pelo mundo afora. foi ele que, ao lado de léopold sédar senghor, encabeçou o movimento da negritude no final dos anos 30. aliás, foi ele quem cunhou este termo que passou a ser usado em toda manifestação de afirmação dos negros ao ponto de perder a força original (césaire queria tirar a palavra de sua condição pejorativa e usá-la ao favor de uma cultura: a cultura das "folhas que resistem ao vento". em outras palavras: transformar o tabu em totem.)

assim como seu camarada, césaire é uma das melhores cabeças que surgiram no século xx.

na última segunda-feira, dia 25 de junho, ele comemorou seus 94 anos. infelizmente, não o conheço pessoalmente ainda, mas me senti privilegiado em ser contemporâneo dele.

deixo aqui a minha homenagem: a tradução de um poema recente, publicado em um livro chamado "moi, laminaire". saravá césaire (que significa ave caesar)!


palavra-macumba

a palavra é mãe dos santos
a palavra é pai dos santos
com a palavra serpente é possível atravessar um rio
povoado de jacarés
me acontece eu desenhar uma palavra no chão
com uma palavra fresca pode-se atravessar o deserto de um dia
existem palavras remo para afastar tubarão
existem palavras iguana
existem palavras sutis essas são palavras bicho-pau
existem palavras de sombra com despertadores em cólera faiscante
existem palavras Xangô
me acontece de nadar malandro nas costas de uma palavra golfinho

le mot est père des saints/ le mot est mère des saints/ avec le mot couresse on peut traverser un fleuve/ peuplé de caïmans/ il m’arrive de dessiner un mot sur le sol/ avec un mot frais on peut traverser le désert/ d’une journée/ il y a des mots bâtons-de-nage pour écarter les squales/ il y a des mots iguanes/ il y a des mots subtils ce sont des mots phasmes/ il y a des mots d’ombre avec des réveils en colère d’étincelles/ il y a des mots Shango/ il m’arrive de nager de ruse sur le dos d’un mot dauphin
(leia mais poemas de aimé césaire aqui: www.salamalandro.redezero.org)

salamalandro :: prosa-pergunta

segunda-feira

espetáculo teatral: a virgem dos desamparados



nos dias 04 e 05 de julho (quarta e quinta da semana que vem), às 20h, os alunos do 6º período da escola de artes cênicas ufmg estréiam com a peça "A Virgem dos Desamparados" de pedro almodóvar e fermín cabal. a montagem tem a coordenação/direção de elisa belém e a tradução é minha.

o espetáculo é gratuito e acontece na ZAP 18.

endereço:
rua joão donada, 18 - bairro serrano (siga o mapa que está neste link ou vá de 4403A - zoológico)

quarta-feira

la bitácora (juan na bloguesfera)

e eis que passeando pela bloguesfera encontro nosso ilustre amigo com notícias bombásticas que não chegam por aqui. segundo o poeta, seu site, que inclui o blogue, pretende ser uma recompilação de seus poemas e artigos jornalísticos. aos interessados na guerrilha atual promovida graças à estupidez dos estados unidos, sugiro que acompanhe as notícias que lá se encontram. mais um soco no estômago da ditadura - a atual, agora. procurando com cuidado, temos também acesso a: poemas, artigos sobre a recente busca dos restos mortais de sua nora claudia, notícias sobre o poeta, o jornalista, currículo e outras coisas mais.
uma bitácora, em suas origens era o armário que tinha nos barcos para guardar seus instrumentos, assim como um caderno onde o capitão ia anotando as decisões tomadas em ordem cronológica.
confira: la bitácora de juan gelman (www.juangelman.com)

terça-feira

ricardo aleixo & seu laptop zoador no salão do livro



e hoje à noite, no salão do livro, o embaixador ricardo aleixo se apresenta com poemas que ele promete falar ao acaso, sacados na hora do meio de um de seus livros. improviso.

às 21h na serraria sousa pinto, auditório pirandello.

mais detalhes no www.jaguadarte.zip.net

cep 20.000 comemora 17 anos hoje


para quem estiver no rio: o cep 20.000 comemora hoje os seus 17 anos de poevídeomúsicartinvenção.

endereço novo, anota aí:

teatro do jockey
rua mário ribeiro, 410 (pra quem for de carro)
rua bartolomeu mitre, perto do hospital miguel couto (pra quem for a pé)

hoje, 19 de junho, às 20h.
confira mais detalhes no blogue do chacal: www.chacalog.zip.net

congonhas

a experiência em congonhas foi ótima. apresentei a palestra: "sobre a poesia: juan gelman" e todos nós saímos felizes. espero novos convites e deixo um abraço para a karla, a juliana e para a turma da fafic que não poderiam ser mais carinhosas.

quinta-feira

a poesia de juan gelman no brasil (atualizado)

isso. unb, 2004

o livro "isso" não é uma antologia. gelman o havia publicado pela primeira vez no livro "interrupciones II", reunião, além deste, dos livros "bajo la lluvia ajena (notas al pie de una derrota)", "hacia el sur" e "com/posiciones". ou seja, é a única não-coletânea de gelman publicada no brasil. foi traduzido por mim e por andityas soares de moura, a convite de henryk siewierski, da editora unb e publicado em 2004. trata-se de um trabalho apaixonado que teve a grande honra da leitura do próprio autor no ato da tradução. como a visão dos tradutores sobre a poesia é bastante díspare, acabamos por travar um interessante embate, o que fez com que o trabalho tomasse um caráter todo especial de comunhão (no bom sentido, não no sentido que o papa dá para esta palavra) democrática, vindo à tona, tanto na tradução quanto na introdução, um pouco da poética de cada um. o livro integra a coleção "poetas do mundo" que já trouxe para o nosso idioma poetas como tahar ben jelloun, czeslaw milosz, miodrag pávlovitch, francis ponge, lucian blaga e edwin morgan.



amor que serena, termina? record, 2001
"amor que serena, termina?" é uma belíssima mostra do que há de bom na poesia de juan gelman. foi traduzido por eric nepomuceno que já nos trouxe ninguém menos que julio cortázar, gabriel garcía marquez, carlos fuentes, jorge luís borges e eduardo galeano, entre outros inúmeros prosadores de primeiríssima qualidade. nepomuceno é responsável pelo que de melhor já foi publicado em termos de literatura latino-americana no brasil. neste livro, ele se entrega a um desafio inédito, para ele: traduzir poesia. conta-se que a record relutou por algum tempo até se convencer a publicar este livro, afinal livro de poesia não vende no país da batucada. o livro ainda tem um requinte: contou com a revisão de chico buarque de holanda, um poeta da batucada que vende.



puentes/pontes. fce, 2004

este é um interessante projeto da editora fondo de cultura económica, organizado por heloísa buarque de holanda, jorge monteleone y teresa arijón. o propósito: pensar a poesia como ponte que une mundos. trata-se de uma alentada antologia (537 páginas) que inclui poetas brasileiros e argentinos. na lista: paulo leminski, lamborghini, affonso ávila, bayley e, é claro, juan gelman. a tradução deste está por conta do poeta e tradutor sérgio alcides e nos dá um ótimo panorama das faces do poliedro que é a poesia de juan.



poesia argentina - 1940/1960. iluminuras
esta antologia foi organizada pela acadêmica bella jozef, que além deste livro, é autora também de alguns estudos sobre a poesia latino-americana contemporânea. esta antologia é um panorama da poesia argentina de uma época criativa e febril na poesia daquele país. mostra o aparecimento do surrealismo, da poesia beatnik, por exemplo. além da poesia do juan (apenas 2 poemas, maravilhosos e muito bem traduzidos, por sinal), tem lá uma boa seleção de outros poetas.

sobre a poesia, um poema de juan gelman

haveria um par de coisas por dizer/
que não é muito lida por ninguém/
que esses ninguém são poucos/
que estão todos preocupados com a crise mundial/ e

com o assunto de comer a cada dia/ trata-se
de um assunto importante/ me lembro
quando tio juan morreu de fome/
dizia que nem se lembrava de comer e que para ele não tinha problema/

problema veio foi depois/
é que não havia dinheiro para comprar caixão/
e quando finalmente o caminhão municipal passou para levá-lo/
tio juan parecia um passarinho/

o pessoal do municipal olhou para ele com desprezo ou com desdém/ murmuravam
que eram sempre incomodados/
que eram homens e enterravam homens/ e não
passarinhos como tio juan/ especialmente

porque o tio foi cantando piu piu a viagem inteira até o crematório municipal/
e sentiram-se desrespeitados e estavam muito ofendidos/
e quando davam-lhe um tapinha para calar a boca/
o piu piu voava pela cabine do caminhão e eles sentiam que ouviam um piu piu na cabeça/ tio

juan era assim/ adorava cantar/
e não via por que não cantar depois de morto/
foi para o forno cantando piu piu/ as cinzas saíram e ainda deram uns pios/
os companheiros do municipal se deram com os sapatos cinzentos de vergonha/ bem mas

voltando à poesia/
agora os poetas passam muita dificuldade/
não são muito lidos por ninguém/ esses ninguém são poucos/
o ofício perdeu prestígio/ para o poeta está cada dia mais difícil

conseguir o amor de uma menina
ser candidato a presidente/ ser patrocinado por um mecenas/
que um guerreiro faça façanhas para que ele as cante/
que um rei lhe pague cada verso com três moedas de ouro/

e não se sabe se é porque acabaram as mulatas/ os mecenas os guerreiros/ os reis/
ou simplesmente os poetas/
ou foram as duas coisas e é inútil
quebrar a cabeça com uma coisa dessas/

bonito é saber que a gente pode cantar piu piu
nas horas mais estranhas/
tio juan depois de morto/ eu agora
para que me queiras/


esta tradução foi publicada pela primeira vez em 1998 no www.tanto.com.br. lá você encontrará o original. o poema faz parte do livro hacia el sur

outras partes

juan gelman
¿ouviste/ coração?/ vamos
com a derrota a outra parte/
com este animal a outra parte/
os mortos a outra parte/

que não façam ruído/ calados como estão/ nem
se ouça o silêncio de seus ossos/
seus ossos são animaizinhos de olhos azuis/
sentam-se mansos à mesa/

roçam dores sem querer/
não dizem uma só palavra de seus balaços/
têm uma estrela de ouro e uma lua na boca/
aparecem na boca dos que amaram/

passam notícias de seus sonhos/
arrastam suas lágrimas com uma toalhinha atrás como que varrendo o padecer/
como que não querendo molhá-lo/
para que o padecer estale e arda e faça assento aonde se sentar e pensar outra vez/

vamos/ coração/ a outro canto/
é ruim que não possas tirar os pés da tristeza/
embora seja tristeza que beija a mão que empunhou o fuzil e triunfou/
e tem coração e guarda em seu coração uma mulher e um homem passando como tigres pelo céu do sul/

uma mulher e um homem como tigres enjaulados na memória do sul/
beijando filhinhos que nunca mais irão crescer/
companheiros que nunca mais vão crescer a agora cosem
a terra ao ar/ cosem teu coração/ coração/ seus animais/

vamos com esta cadela a outra parte/
não temos direito de incomodar/
nosso único direito é começar outra vez
sob a luz do sol sereno/

os limites do céu mudaram
agora estão cheios de corpos que se abraçam
e dão abrigo e consolo e tristeza
com uma estrela de ouro e uma lua na boca/

com um animal na boca olhando o cintilar
dos companheirinhos que semearam coração
e levantam seu coração ardente
como uma aldeia de beijos/

(tradução: leo gonçalves)
olha aí o original:

otras partes

¿oíste/ corazón?/ nos vamos con la derrota a otra parte/ con este animal a otra parte/ los muertos a otra parte/ que no hagan ruido/ callados como están/ ni se oiga el silencio de sus huesos/ sus huesos son animalitos de ojos azules/ se sientan mansos a la mesa/ rozan dolores sin querer/ no dicen una sola palabra de sus balazos/ tienen una estrella de oro y una luna en la boca/ aparecen en la boca de los que amaron/ pasan noticias de sus sueños/ arrastran sus lágrimas con un pañuelito detrás como barriendo el padecer/ como no queriendo mojarlo/ para que el padecer estalle y arda y haga asiento donde sentarse a pensar otra vez/ nos vamos/ corazón/ a otra parte/ hace mal que no podrás sacar los pies de la tristeza/ aunque es tristeza que besa la mano que empuñó el fusil y triunfó/ y tiene corazón y guarda en su corazón una mujer y un hombre pasando como tigres por el cielo del sur/ una mujer y un hombre como tigres enjaulados en la memoria del sur/ besando hijitos que nunca más van a crecer y ahora cosen la tierra al aire/ cosen tu corazón/ corazón/ sus animales/ vámonos con esta perra a otra parte/ no tenemos derecho a molestar/ nuestro solo derecho es empezar otra vez bajo la luz del sol sereno/ los límites del cielo cambiaron/ ahora están llenos de cuerpos que se abrazan y dan abrigo y consolación y tristeza con una estrella de oro y una luna en la boca/ con un animal en la boca mirando el centellear de los compañeritos que sembraron corazón y levantan su corazón ardiente como un pueblo de besos/

leo gonçalves e juan gelman na unipac

no próximo sábado, dia 16 de junho, o poeta leo gonçalves estará na unipac de congonhas, a convite das professoras juliana leal e karla cipreste, para uma conferência-leitura da e sobre a poesia de juan gelman. aproveito para começar a desenvolver uma proposta que venho pensando de unir uma performance poética a uma apresentação conceitual da poesia. vamos ver no que dá. exílio aqui/palavra que foi cão pela cavala que dizia/ já não há nada a fazer/ está a luz/que tanta sombra fez/ por isso você dói tanto/ beleza?/me bate como se fosse seu irmãozinho?/ boca de seu arrabalde?/ o que é você?/quem é você?/diga-me um pouco?/ já não será daqui quando nos fomos/ nem me deixa tirar a mão do fogo de não ser/ (do livro isso. unb, 2004)

samba do compositor recebe nei lopes [atualizado]





os freqüentadores do salamalandro sabem o quanto admiro esse sambista lingüista historiador da negritude brasileira, uma das melhores cabeças que já apareceram no país. quando postei esse cartaz da turma do samba do compositor, estava decidido a ir. mas chegado o dia, descobri que infelizmente não vai rolar. muito trabalho a fazer. uma pena.

que os deuses da áfrica tragam de volta uma outra chance boa de vê-lo cantar.

e peço a todos que puderem, que vão. e me contem

imperdível.
salve nei lopes!


segunda-feira

centro cultural banco do brasil itinerante - inscrições abertas para a etapa bh

o centro cultural banco do brasil itinerante está com inscrições abertas para etapa belo horizonte. o evento acontece na cidade de 3 a 15 de julho e o período de inscrições vai até a próxima sexta-feira.
há vagas para as áreas de artes cênicas, plásticas, música, idéias (palestras e encontros, etc) e programas educativos (oficinas, cursos, etc).
clique aqui para conhecer o regulamento: ccbb - etapa bh

domingo

sem medo de ser feliz

notas sobre a vanguarda distraída

depois de escrever o post anterior, recebi inúmeros emails, cartas e mensagens de celular me criticando pelo termo criado para designar a poesia do meu amigo. a linha principal da crítica, (a única que acho pertinente) propunha que, sendo vanguarda, ninguém poderia ser distraído. era, portanto, uma contradição em termos. um dos meus críticos mais duros, inclusive, fez questão de ressaltar que numa guerra, a vanguarda exerce um papel essencial: é sempre o primeiro batalhão a enfrentar o inimigo e que portanto ninguém podia estar neste posto distraído.

isso tudo me divertiu muito. e resolvi, como resposta, acrescentar algumas notas:

1. não se trata de contradição. como vocês puderam notar, a poesia do anderson é mordaz e atenta ao melhor do que acontece ao seu redor. alguém terá notado também que a minha geração cresceu sob o poder daquilo que chamam "cultura de massas" ou "entretenimento" (vulgo xuxa, fausto silva, ana maria braga e outros lixos enlatados). vocês não queriam que eu dissesse: "vanguarda entretida", queriam?

2. jerzy grotowski foi um importante teórico do teatro que nos anos 60 propunha que a ação teatral se fazia graças a uma difícil tensão que ocorre entre o ator e o espectador, sendo que este ocupa um papel opressor por não se ver, na maioria das vezes, preparado para curtir uma peça e sim para consumi-la. no começo dos anos 70, cansado desta tensão, grotowski decidiu abrir mão dela para produzir um teatro total. ao final, ele diz: se vocês quiserem considerar isto teatro ou não, pouco me importa.

grotowski é um precursor da vanguarda distraída.

3. me diverte muito a idéia de que alguém venha a levar a sério o título que dou aos meus contemporâneos (incluindo-me a mim mesmo). onde já se viu... vanguarda distraída.

4. podia escrever um manifesto. até mesmo porque manifestos já estão fora de moda. por isso mesmo. cairia bem.

5. enganam-se redondamente aqueles que (como o frei betto) ficam por aí dizendo que a minha geração só possui alienados despolitizados que só querem fazer parte do sistema mundial de competitividade proposto pelo capital tio sam. o que nós queremos é comer todo mundo. discretamente, como bons mineiros. numa grande mordida de prazer (se o prato for nutritivo) ou num grande bocejo (se o prato só tiver carboidratos - como o frei betto).

6. fico triste de ver como que toda e qualquer subversão é rapidamente assimilada pelo sistema mundial de consumo. che guevara, lenin, leon trotsky, jozef stalin, marilin monroe, john lennon, jim morrison, bob dylan, cicciolina, andy warhol. todo mundo pode ser tranquilamente jogado na mesma lixeira. por outro lado, vejo que o pessoal até que ganha um dinheirinho com isso. o que não é nada mal. contanto que sobre um pouco também para os poetas. um leitinho de vez em quando, as crianças agradecem.

7. para o meu amigo guerrilheiro, com seu papo de inimigos, eu confesso: fui eu que matei paulo leminski. e enquanto agonizava com ar divertido, ele me explicava a doutrina dos epicuristas e me repetia sempre como num refrão: "distraídos venceremos"

sábado

anderson almeida e a vanguarda distraída



o poeta anderson almeida (na foto lendo o livro de léopold sédar senghor) é um cara curioso. muito vivo, exageradamente discreto. quando nos conhecemos, ele não gostou dos meus poemas: ficamos grandes amigos. lembro que em 1997, quando bh se preparava para uma celebração dos seus 100 anos, tínhamos o hábito de freqüentar os bares da "poesia orbital". na ocasião tinha sempre algum poeta orbital falando versos em algum palco. certa vez ele me disse: "cada vez que vejo um ator global falando versos de um poeta orbital, tenho mais certeza de que palcos não são o meu forte..." ou algo assim.

nessa época a gente vivia intesamente este poema dele:

curtametragem

o homem pulou da ponte
e ao erguer a vista
e contemplar o horizonte
amou a vida e não viu por onde
retomar a subida


desde então, a gente cometeu muita vida. um dia ele me aparece com um calhamaço de uns 200 haicais completamente originais e inesperados. o silêncio dele nos últimos tempos me faz pensar neste haicai dele:
estou mudo
como borges era cego
e beethoven era surdo


ele é um dos caras mais originais da minha geração. nunca fez muita questão de mostrar o que escreve. esconde dos holofotes, descansa no liso. ele faz parte de uma vanguarda que chamo de "vanguarda distraída". linguagem urbana, vitalidade em cada vírgula. no meio da distração, ele cisma de vez em quando de enviar um poema para algum concurso. ganha, claro. lembro até que quando o conheci, tinha ganhado um prêmio de honra ao mérito num concurso de poesia latino-americana realizado na alemanha.
depois ele ficou entre os 5 melhores de uma revista chamdada ipsis-literis. quando li os versos que ficaram em primeiro, gostei mas não amei. apenas confirmei a insuficiência desses concursos. os poemas que ficaram em primeiro lugar tinham todo um clima de aplicação das teorias aprendidas na academia, enquanto que nos poemas do anderson (que mereciam de longe o primeiro lugar) parecia que a língua estava acabando de ser inventada, sem compromisso com a história da literatura, sem compromisso com ninguém, originais e consistentes. uma pena eu não estar com eles aqui (no meio de muitas mudanças, meus livros ficaram dispersos e não encontro mais nada).

mas em todo caso, vou deixar dois outros, publicados no jornal estilingue #3 em 2004 enquanto ficamos na torcida para ele lançar logo um livro:

as ruas em alta velocidade se estraçalham em esquinas
as estradas não têm quinas

as ruas e as estradas tentam todos os meios de despitar-se
em curvas, em pontes, em bifurcações

as ruas de mãos dadas
uma rua sem saída é uma rua só

há poemas pobres e planos como ruas

o poema é uma rua fantasma
que atravessa uma cidade fantasma
onde passam navios fantasmas
que deixam garrafas com manuscritos

e que manuscritos
enchem de amantes submarinos
as cidades em ruína


durmo de olhos abertos
meu irmão e seus brinquedos de guerra
minha irmã e suas guerras de brinquedo
disputo com os escorpiões meus sapatos
pendurei o espelho e caíram todos os quadros
vasculho cabides e gavetas
mas nada de meu
infilitra na solidão uma calma cotidiana
chove
moro em um morro forte onde uma árvore grande foi derrubada por um raio
ter uma moto e acelerar sem temer a árvore atravessada
chuva que diz sim em clarões


p.s.: atualmente ele comanda o blogue: periféricos & distraídos

e. m. cioran

"a verdade não sonha jamais", disse um filósofo oriental. é por isso que ela não nos interessa. o que faríamos nós da sua miserável realidade? ela só existe na cabeça dos professores, nos preconceituosos escolares, na vulgaridade de todos os ensinamentos.

mas no espírito ao qual o infinito dá asas, o sonho é mais real que todas as verdades. o mundo não é; ele se cria cada vez que o entusiasmo do começo atiça a brasa da nossa alma.