segunda-feira

as destrezas do amor

o amor é o alcance da mão
é tudo aquilo que ele roça
quando estica os braços
quando estica os dedos

produtos importados direto
do país das surpresas do país dos medos
delícias sobre a mesa ou ao contrário
melecas em geléia para o piquenique

o amor é tudo aquilo que a mão toca
seja com a destra seja com a sinistra
seja com a boca seja com a orelha
seja com a luva seja com a vista

ninguém reclama quando o amor ama
no meio da praça não é atentado
se o beijo escandaliza a massa
ou se o fogo incendeia o ministério público

ninguém se mete quando a moça
extasiada pela língua do poeta
inaugura uma estátua fátua
o beijo de rodin na praça principal

ninguém se liga quando a eletricidade
da cidade se embanana porque
o camarada ama ou porque a menina
agora toda nua é a culpada do apagão

o amor é um camarada raro
que brinca com ratos pela calçada
e caça palavras pelos cruzamentos
quebrando cabeça no meio dos carros

o amor com seus desastres
derrama o chocolate sobre a roupa dos amantes
obrigados a matar serviço reinventam
a manhã agora num brinquedo novinho em flor

são as destrezas do amor
tropeça todo dia nos seus próprios mortos
bebe ri dança e balança e até morre com eles
é por isso que ele nunca está só

os desastres do amor

o amor está ao alcance da mão
então você estica os braços
tenta colhê-lo e ao fazê-lo
o empurra para mais distante

a distância te ajuda a compreendê-lo
quer dizer, a tê-lo entre os dedos
mas entre os dedos não basta
então você estica os braços, quer acolhê-lo

e ao fazê-lo, empurra ainda
para mais distante: a distância
te completa de angústias
você tem que declarar seu desespero

o amor quer ser cantado a cântaros
você se derrama nas águas do amor
e o amor é tudo ao redor
você é rio você é vento luz do sol você é ar

e te pedem que brilhe
como ao meio dia
então você brilha
e a sua luz ofusca os olhos do amor

agora é guiar aquele que você procurava
você cego procura o caminho certo
e guia quem tem os olhos foscos
mas não há mais tempo:

você defendeu o amor em todas as guerras
travou lutas contra ele em favor dele mesmo
e da única causa na qual pôde crer
e assim o deixa cada dia mais distante

mas isso não é tudo
o amor está em toda parte, você
quer amá-lo quer beijá-lo degustá-lo
no entanto, você está só

domingo

uma mulher com movimentos de rio

uma mulher com movimentos de rio
com transparentes trejeitos de água
uma menina de água
onde se lê o que passa e não retorna
um pouco de água onde os olhos bebam
onde os lábios de um só trago bebam
a árvore a nuvem o relâmpago
eu mesmo e a menina.


poema de octavio paz, em "semillas para un sueño"