dia do meu aniversário, fui passar ao lado dela em salvador. tava bonita a festa. e agora sigo ao som de maria bethânia.
dia 4 de Dezembro
(letra e música de tião motorista)
no dia 4 de dezembro
vou no mercado levar
na baixa do sapateiro
flores pra santa de lá
bárbara santa guerreira
quero a você exaltar
é Iansã verdadeira
a padroeira de lá
tirirê, tirirê, relampejou
oh, tirirê, relampejou
tomara que chegue a hora
quero seguir procissão
vou com meu "liforme" branco
levo o meu chapéu na mão
as ladainhas cantadas
pelas beatas de véu
os homens cantam mais forte
pedem proteção ao céu
logo que a santa retorne
eu vou pro samba correndo
vou na barraca da Ornela
tomo uns limão, vou dizendo
pego Antenor, meu compadre
deixa essa cara de bicho
não vou sair desse samba
só saio se for no lixo
sábado
ao som de maria bethânia
terça-feira
nudez da verdade
“eu bem sei”
o desespero não tem asas
o amor também não,
nada de rosto,
não falam,
eu não me mexo
não olho pra eles
não lhes dirijo a palavra
mas estou tão vivo quanto o meu amor e o meu despero
é um poema de paul éluard, olha aí o original:
nudité de la vérité
“je le sais bien.”
le désespoir n’a pas d’ailes,/
l’amour non plus,/
pas de visage,/
ne parlent pas,/
je ne bouge pas,/
je ne les regarde pas,/
je ne leur parle pas/
mais je suis bien aussi vivant que mon amour et que mon désespoir.
man ray
domingo
o gato e o passarinho
um povoado escuta entristecido
o canto de um pássaro ferido
é o único pássaro do povoado
e o único gato do povoado
devorou pela metade o passarinho
e o pássaro para de cantar
e o gato para de ronronar
e de lamber o focinho
e o povoado faz pro passarinho
um maravilhoso funeral
e o gato que foi convidado
segue o cortejo atrás do caixãozinho de palha
onde o pássaro morto está deitado
carregado por uma menininha
que não para de chorar
se eu soubesse que isso iria te causar tanta dor
lhe diz o gato
eu o teria comido inteirinho
e depois te contaria
que o havia visto voar
voar até o fim do mundo
lá onde o longe é tão longe
que ninguém jamais pode voltar
você teria sofrido menos
apenas tristeza e saudade
a gente não deve nunca fazer as coisas pela metade
é um poema de jacques prévert
para fazer o retrato de um passarinho
pintar primeiro uma gaiola
com uma porta aberta
pintar em seguida
algo de bonito
algo de simples
algo de lindo
algo de útil
para o passarinho
pendurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer
às vezes o passarinho chega rápido
mas pode também demorar muitos anos
antes de se decidir
não desanimar
esperar
esperar se preciso durante anos
a rapidez ou a lentidão da chegada do passarinho
não tendo nenhuma relação
com o êxito do quadro
quando o pássaro chega
se ele chega
observar o mais profundo silêncio
esperar que o passarinho entre na gaiola
e quando ele entrar
fechar calmamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar nenhuma das penas do passarinho
fazer em seguida o retrato da árvore
escolhendo o mais belo de seus galhos
para o passarinho
pintar também a verde folhagem e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos bichos do mato no calor do verão
e depois esperar que o passarinho se decida a cantar
se o passarinho não canta
é mal sinal
sinal de que o quadro vai mal
mas se ele canta é bom sinal
sinal de que você pode assiná-lo
então você retira docemente
uma das penas do passarinho
e escreve seu nome no canto do quadro.
["pour faire le portrait d'un oiseau"
poema de jacques prévert
temporariamente traduzido por mim]
sábado
revista etcetera #20 - no ar!!!!
janine 1
pourquoi tu m'appelles janine
alors que j' m'appelle thérèse ?
pourquoi tu m'appelles ardèche
alors que j' m'appelle corrèze ?
pourquoi tu m'appelles triangle
alors que j' m'appelle trapèze ?
pourqoi tu m'appelles louis xv
alors que j' m'appelle louis xvi ?
pourquoi tu m'appelles oeuf coq
alors que j' mappelle omelette ?
pourquoi tu m'appelles hautbois
alors que j' m'appelle trompette ?
pourquoi tu m'appelles don juan
alors qu' j'ai une p'tite quéquette ?
pourquoi tu m'appelles képi
alors que j' m'appelle casquette ?
(por que você me chama de janine,
quando eu me chamo thérèse?
por que você me chama de ardèche
quando eu me chamo corrèze
por que você me chama de triângulo
quando eu me chamo trapézio
por que você me chama de ovo quente
quando eu me chamo omelete
por que você me chama de oboé
quando eu me chamo trompete?
por que você me chama de don juan
quando eu tenho um pingolete
por que você me chama de quépi
quando eu me chamo capacete?)
tá no disco le fil. de camille.
(procure o site na próxima mensagem)
camille - le fil
quinta-feira
terça-feira
cordel do fogo encantado, joão cabral de melo neto e os bonecos

só um comentário: joão cabral nunca podia imaginar que o poema dele seria falado por uma banda de rock'n roll, em plena praça da estação, pra uma platéia repleta de jovens e adolescentes. saravá lirinha!
o sábia no sertão,
quando canta me comove,
passa três meses cantando
e sem cantar passa nove
porque tem a obrigação
de só cantar quando chove
sábado
palavras do revolucionista bernard shaw

um revolucionista é aquele que deseja descartar a ordem da existência social e tentar outra.
auto-sacrifício
auto-sacrifício habilita-nos a sacrificar outras pessoas sem a menor vergonha.
se você começa a sacrificar-se por aqueles que ama, acaba odiando aqueles para quem você se sacrificou.
civilização
a civilização é uma doença produzida pela prática de construir sociedades com material podre.
aqueles que admiram a civilização moderna costumam identificá-la com a máquina a vapor e o telégrafo elétrico.
aqueles que entendem a máquina a vapor e o telégrafo elétrico gastam suas vidas tentando substituir-se por algo melhor.
a imaginação não pode conceber um criminoso mais vil que aquele que construiria outra londres como a atual, nem um maior benfeitor que aquele que a destruiria.
experiência
os homens são sábios em proporção, não à sua experiência, mas à sua capacidade para a experiência.
se pudéssemos aprender da mera experiência, as pedras de londres seriam mais sábias do que os mais sábios homens.
razão
o homem racional adapta-se ao mundo: o irracional persiste tentando adaptar o mundo a si mesmo. portanto, todo progresso depende do irracional. o homem que ouve a razão, está perdido: a razão escraviza todos aqueles cuja mente não é forte o bastante para dominá-la.
quarta-feira
revista roda nº2 - eparrei!
e eis que chega a revista roda número 2. lindona, como a primeira. gratas surpresas: presença de gente boníssima: antônio risério, benjamin abras, chacal, george cardoso, jackie kay, paulo leminski e virna teixeira. só pra começar a listas dos camarás.
terça-feira
música fora de foco
começa hoje e vai até o dia 20 de agosto, na fundação de educação artística o projeto "música fora de foco". a mostra traz um grupo de 6 artistas ou grupos que oferecem de diferentes maneiras, sua forma de renovar a linguagem musical.
veja a programação (sempre às 20h30):
terça-feira, dia 15: felipe amorim
quarta-feira, dia 16: o grivo
quinta-feira, dia 17: paulo álvares
sexta-feira, dia 18: tato taborda e alexandre fenerich
sábado, dia 19: chelpa ferro
domingo, dia 20: pex baa
a fundação de educação artística fica na rua gonçalves dias, 320 - funcionários (quase esquina com avenida getúlio vargas)
segunda-feira
as destrezas do amor
o amor é o alcance da mão
é tudo aquilo que ele roça
quando estica os braços
quando estica os dedos
produtos importados direto
do país das surpresas do país dos medos
delícias sobre a mesa ou ao contrário
melecas em geléia para o piquenique
o amor é tudo aquilo que a mão toca
seja com a destra seja com a sinistra
seja com a boca seja com a orelha
seja com a luva seja com a vista
ninguém reclama quando o amor ama
no meio da praça não é atentado
se o beijo escandaliza a massa
ou se o fogo incendeia o ministério público
ninguém se mete quando a moça
extasiada pela língua do poeta
inaugura uma estátua fátua
o beijo de rodin na praça principal
ninguém se liga quando a eletricidade
da cidade se embanana porque
o camarada ama ou porque a menina
agora toda nua é a culpada do apagão
o amor é um camarada raro
que brinca com ratos pela calçada
e caça palavras pelos cruzamentos
quebrando cabeça no meio dos carros
o amor com seus desastres
derrama o chocolate sobre a roupa dos amantes
obrigados a matar serviço reinventam
a manhã agora num brinquedo novinho em flor
são as destrezas do amor
tropeça todo dia nos seus próprios mortos
bebe ri dança e balança e até morre com eles
é por isso que ele nunca está só
os desastres do amor
o amor está ao alcance da mão
então você estica os braços
tenta colhê-lo e ao fazê-lo
o empurra para mais distante
a distância te ajuda a compreendê-lo
quer dizer, a tê-lo entre os dedos
mas entre os dedos não basta
então você estica os braços, quer acolhê-lo
e ao fazê-lo, empurra ainda
para mais distante: a distância
te completa de angústias
você tem que declarar seu desespero
o amor quer ser cantado a cântaros
você se derrama nas águas do amor
e o amor é tudo ao redor
você é rio você é vento luz do sol você é ar
e te pedem que brilhe
como ao meio dia
então você brilha
e a sua luz ofusca os olhos do amor
agora é guiar aquele que você procurava
você cego procura o caminho certo
e guia quem tem os olhos foscos
mas não há mais tempo:
você defendeu o amor em todas as guerras
travou lutas contra ele em favor dele mesmo
e da única causa na qual pôde crer
e assim o deixa cada dia mais distante
mas isso não é tudo
o amor está em toda parte, você
quer amá-lo quer beijá-lo degustá-lo
no entanto, você está só
domingo
uma mulher com movimentos de rio
uma mulher com movimentos de rio
com transparentes trejeitos de água
uma menina de água
onde se lê o que passa e não retorna
um pouco de água onde os olhos bebam
onde os lábios de um só trago bebam
a árvore a nuvem o relâmpago
eu mesmo e a menina.
poema de octavio paz, em "semillas para un sueño"
terça-feira
poesia & cidade: formas de reconfiguração do espaço urbano
e na última edição da zip: zona de invenção poesia &, um assunto que dá o que falar. teremos a ilustríssima presença dos nossos camaradas renato negrão, mara de aquino, rita medeiros e waldemar euzébio. artistas que pensam a cidade, o espaço urbano de maneiras muito diferentes entre si. o jaguadarte anuncia que tão cedo não rola outra. quem quiser ver mais sangue na discussão, clique aqui.
quarta-feira
poesia & tecnologia: o racionalismo sensível

sexta-feira
zip: zona de invenção poesia &
segunda-feira
eu imagino ou sonho de menina
imagino que você está ali
tem o sol
e este pássaro perdido de trinado tão estranho
diríamos uma tarde de verão
clara. sinto que estou ficando tola, tão tola
tenho imenso desejo de me deitar entre o feno,
com manchas de sol sobre a pele nua
asas de borboleta em largas pétalas
e toda espécie de insetos do planeta
ao meu redor
este é mais um poema de léopold sédar senghor
sexta-feira
semana cultural do senegal
domingo
autofagia
está chegando na praça a revista autofagia. para saber mais informações, consulte o blogue do bruno brum (www.saborgraxa.blogspot.com). é isso aí. a programação você vê aqui mesmo.
programação - lançamento da revista de autofagia
18/05 [quinta] – 19h
debate: “a produção contra-industrial”
com estrela leminski [PR], luciana tonelli [MG], marcelo sahea [RJ] e nicolas behr [DF]
centro de cultura de bh [r. da bahia, 1149 - centro]
19/05 [sexta] – 19h
lançamento da revista e dos livros “cupido: cuspido e cscarrado”, de estrela leminski; “leve”, de marcelo sahea e “umbigo”, de Nicolas Behr.
Livraria Quixote [R. Fernandes Tourinho, 274 - Savassi]
20/05 [sábado] – 20h
Sarautofágico – outras deixas de música e literatura
Música e poesia com participação de músicos e colaboradores da Revista de Autofagia
Pastel de Angu [R. Alphonsus Guimarães, 62 - Santa Efigênia]
sexta-feira
negritude césaire, negritude senghor
minha negritude não é uma pedra, sua surdez gritada contra o clamor do dia
minha negritude não é uma nódoa de água morta no olho morto da terra
minha negritude não é nem uma torre nem uma catedral
ela mergulha na carne rubra do chão
ela mergulha na carne ardente do céu
ela perfura o golpe opaco de sua destra paciência
aimé césaire – do cahier d’un retour au pays natal
minha negritude não é sono da raça ela é sol do espírito, minha negritude é ver & viver
minha negritude é enxada na mão, lança em punho
recado. não é questão de beber de comer o instante que passa
azar se me enterneço sobre as rosas do cabo verde!
minha tarefa é a de despertar o meu povo aos futuros flamejantes
minha alegria de criar imagens para nutri-lo, oh luminosidades ritmadas da Palavra!
léopold sedar senghor – élegie des alizés
domingo
notas sobre a negritude
tudo começou assim: um jovem estudante estigmatizado pela cor da pele publica no

senghor nasceu em 1906 e publicou muita poesia, muita pesquisa em diversas áreas (lingüística, antropologia, sociologia, teoria literária) entre os anos 30 e os anos

homenagens
algumas informações sobre a poesia do célebre desconhecido

portanto, falta muito ainda para oferecermos ao público brasileiro um panorama claro de sua obra.
outro ponto curioso é que sua poesia se insere numa tradição pouco explorada no brasil. nem mesmo o nosso cruz e sousa pode ser comparado com ele. a poesia dele é descendente direta de walt whitman e de paul claudel: versos longuíssimos, reflexões místico-cristãs, tradições, profecias e vozeirões (ao lado de flores da mais pura delicadeza:
pérolas
pérolas brancas
lentas goteletas
goteletas de leite fresco,
luzinhas fugitivas ao longo dos fios do telégrafo,
ao longo dos longos dias monótonos e grises!
a qual paraíso? a qual paraíso?
luzinhas primeiras da minha infância
jamais reencontrada…
perles
perles blanches,
lentes gouttelettes,
gouttelettes de lait frais,
clarets fugitives le long des fils télégraphiques,
le long des longs jours montones et gris!
à quel paradis? à quel paradis?
clartés premières de mon enfance
jamais retrouvée…)
pouquíssimas vezes se preocupa com a rima, jamais com a métrica. uma poesia que se irmana com o trabalho de neruda e saint john perse, cujos versos se aproximam da prosa.
ao mesmo tempo, a sua poesia é rica em sonoridades, aliterações, e principalmente, jogos visuais, fanopéia. como traduzir um verso como “l’ouragan arrache tout autour de moi”? g. j. gomes traduz assim: “o furacão tudo arranca ao meu redor”. há exatidão na imagem, mas o som do verso de cinco acentos sucessivos se perdeu. façamos mais uma tentativa vã:
o furacão
o furacão arrasta tudo em torno de mim
e o furacão arrasta em mim folhas e palavras fúteis.
turbilhões de paixão silvam em silêncio
mas paz sobre o tornado seco, ao final do inverno!
tu, vento ardente vento puro, vento de primavera, queima toda flor todo pensamento
vão
quando recai a areia sobre as dunas do coração.
serva, suspende teu gesto de estátua e vós, crianças, vossos jogos e risadas de marfim.
tu, que ela consuma tua voz com teu corpo que ela seque o perfume de tua pele
a chama que ilumina minha noite, como uma coluna e como uma palma.
abrasa meus lábios de sangue, espírito, sopra sobre as cordas da minha kora
que se erga o meu cantar, puro como o ouro de galam.
l’ouragan
l’ouragan arrache tout autour de moi
et l’ouragan arrache en moi feuilles et paroles futiles
des tourbillons de passion sifflent en silence
mais paix sur la tornade sèche, sur la fuite de l’hivernage!
toi vent ardent vent pur, vent-de-belle-saison, brûle toute fleur toute pensée vaine
quand retombe le sable sur les dunes du coeur.
servante, suspends ton geste de statue et vous, enfants, vos jeux et vos rires d’ivoire.
toi, qu’elle consume ta voix avec ton corps, qu’elle sèche le parfum de ta chair
la flamme qui illumine ma nuit, comme une colonne et comme une palme.
embrase mes lèvres de sang, esprit, soufflé sur les cordes de ma kôra
que s’élève mon chant, aussi pur que l’or de galam.
sexta-feira
mulher negra
mulher nua, mulher negra
vestida de tua cor que é vida, de tua forma que é beleza!
eu cresci a tua sombra; a doçura de tuas mãos vendava meus olhos.
e eis que no ventre do verão e do meio-dia, eu te descubro, terra prometida, do alto de
um alto colo calcinado
e tua beleza me acerta em pleno peito, como o relâmpago de uma águia.
mulher nua, mulher obscura
fruto maduro de carne firme, sombrios êxtases do vinho negro, boca que bota lírica a
minha boca.
savana dos horizontes puros, savana que freme às carícias quentes do vento leste
atabaque esculpido, atabaque tenso que rosna sob os dedos do vencedor
tua voz grave de contralto é o cântico espiritual da amada.
mulher nua, mulher obscura
azeite que não crispa nenhum sopro, azeite plácido nos flancos do atleta, nos flancos
dos príncipes do mali
gazela de laços celestes, as pérolas são estrelas sobre a noite de tua pele
gozo de jogos espirituosos, os reflexos do ouro rubro sobre tua pele que rebrilha
à sombra de teus cabelos, se esclarece minha angústia aos sóis próximos de teus olhos.
mulher nua, mulher negra
eu canto tua beleza que passa, forma que fixo no eterno
antes que o destino cioso te reduza a cinzas para nutrir as raízes da vida.
a tradução é minha e está publicada na revista roda nº1. o poema é de léopold sédar senghor. para ler o original, clique aqui. este poema é considerado o grande hino do continente africano, onde a áfrica é comparada com uma mulher extremamente sensual. eu comparo dialeticamente este poema com um poema de cruz e sousa: afra. um dia eu ainda explico por quê.
medusa
Cortei a cabeça da Medusa
por inveja. Quis eu mesmo o olhar
sem olhos que vê e se recusa
a ser visto e desse modo faz
das demais pessoas pedras: pedras
sim, preciosas, da mais pura água,
onde o olhar mergulha até a medula,
diáfanas, translúcidas, cegas.
Refleti muito, antes. Na verdade
estes meus olhos provêm de carne
de mulher, não do nada imortal
da divindade. Como encarar
com eles a Górgona? Mas mal
pensando assim, lembrei ser mortal
ela também: e seu pai é um deus
do mar mas eu sou filho de Zeus.
Mesmo assim não quis enfrentá-la olhos
nos olhos. Peguei emprestado o espelho
da minha irmã e adentrei o cômodo
da Medusa de soslaio, vendo
tudo por reflexos: o seu corpo
em terceiro plano, atrás de heróis
de pedra e dos meus olhos esconsos
em primeiríssimo. Eis o corte
da lâmina especular: do lado
de cá eu, sem corpo, a olhar; do outro
lado eu, olho olhado, olho enviesado
e rosto e corpo entre muitos corpos,
um dos quais o dela. A mesma lâmina
decapitou-a também: do lado
de cá guardo seu olhar e faina;
e lá jaz seu vulto desalmado.
Mas nada é tão simples. Do pescoço
cortado nasceu um cavalo de asas
(é que o deus do mar a engravidara)
e mergulhou no horizonte em fogo
crepuscular. Dizem que, no monte
Hélicon, seu coice abriu uma fonte.
A ser não sendo, de madrugada
levanto com sede dessa água.
é um poema de antônio cícero, que esteve em bh na última terça-feira para as terças poéticas. achei no blogue da letícia
quarta-feira
domingo
novas aventuras
coisas que têm feito a cabeça do salamalandro
escrito por
Leo Gonçalves
no dia
16.4.06
assuntos: dica cultural, mercado editorial, negritude, poesia
sábado
sexta-feira
pranto para comover jonathan
os diamantes são indestrutíveis?
mais é meu amor.
o mar é imenso?
meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
ama e nem sabe mais o que ama.
é um poema da adélia prado e está no livro "bagagem". para ser comido com broa de fubá e cafezinho no final da tarde.
quinta-feira
30 anos do golpe militar na argentina
vergonha e apatia na reunião do bid
Roda - Arte e Cultura do Atlântico Negro
saravá, malandro
na próxima terça, dia 21 de março, acontece o saravá de celebração do dia mundial da poesia e do dia internacional de combate à discriminação racial, como mais um episódio do 3º FAN - Festival de Arte Negra. conforme nos explica o jaguadarte, saravá é o nome que haroldo de campos dava aos saraus que ele freqüentava. no palco: grupoPOESIAhoje, benjamin abras, ricardo aleixo, maurício tizumba, renato negrão & mônica aquino, rui moreira.
após o saravá, haverá o lançamento da revista Roda - Arte e Cultura do Atlântico Negro. o salamalandro colabora com uma homenagem ao centenário do poeta senegalês Léopold Sédar Senghor. na revista, ainda: entrevista exclusiva com Moniz Sodré, dossiê do artista plástico Antônio Sérgio Moreira, reportagem sobre a presença das mulheres no funk e no hip-hop.
dia: 21 de março (terça-feira) às 20h
local: centro cultural ufmg - av. santos dumont, 174 - centro
e saravá!
terça-feira
revista etcetera #19 já está no ar
está no ar a revista etcetera#19. belíssima como sempre, traz artigos, poemas, contos e entrevistas sempre de ótima qualidade. para acessá-la, o endereço é www.revistaetcetera.com.br. em outros números, o salamalandro colaborou com poemas. desta vez, tem o artigo "william blake hoje". mas a revista traz muito mais: artigo sobre o "new journalism", entevista com o cineasta sérgio bianchi e mais e mais.
domingo
notas sobre a realidade
podem dizer o que quiserem, aconteça o que acontecer, a realidade vai continuar sendo o maior enigma da humanidade. por isso, nunca entendo bem o que querem dizer quando falam “cai na real!” ou o famigerado “sejamos realistas!”
daí fui procurar uma meia dúzia de escritores pra tentar entender melhor. encontrei o cioran, que diz: “somente um monstro pode se permitir o luxo de ver as coisas tais como são. mas uma coletividade só subsiste na medida em que cria para si ficções".
o julio cortázar falou numa entrevista que é completamente apaixonado pela realidade, e isso é bastante significativo, em se tratando da fala de um cronópio. allen ginsberg achava que os seus escritos eram “sanduíches de realidades” e que ninguém estranhe o uso de alucinógenos para se enxergar melhor o tal do mundo, pois um sujeito que se achava mais sério já tinha tentado isso antes, o walter benjamin.
camille paglia, a contro(di)vertida filósofa norteamericana faz dessas palavras de george eliot as suas: “se tivéssemos uma aguda visão e sensação de toda vida humana comum, seria como ouvir a relva crescer e o coração do esquilo bater, e morreríamos desse rugido que está do outro lado do silêncio. na verdade, mesmo os mais rápidos de nós andam por aí bem acolchoados de bastante estupidez".
será por isso que shakespeare acha que “há mais coisas entre o céu e a terra do que vossa vã filosofia possa imaginar”? e o t.s.eliot, aquele inglês americano, em seu primeiro dos quatro quartetos acrescenta:
“vai vai vai disse o pássaro
o gênero humano não pode suportar
tanta realidade”
será que ele está falando da mesma coisa que a sua xará de sobrenome?
eu ouvi dizer que o freud, o nietzsche e o marx fizeram uma teorias bastante engenhosas sobre o assunto. se ninguém tivesse falado em realismo, ninguém falaria em surrealismo nem em realismo fantástico e nem em realismo mágico.
tudo bem, mas aqui no brasil, realidade quer dizer (pode perguntar para o senso comum) “aquilo que se lê nos jornais. e alguns se crêem informados sobre a “realidade” quando se dizem pessimistas ou mesmo quando falam de política.
mas o jogo da imprensa é tão ridículo como qualquer novela da globo: sem querer, ou às vezes querendo, a imprensa canoniza idéias mal-formuladas que se tornam grandes preconceitos para o populacho. populacho que, aliás, não está quase nunca preparado para assimilar conceitos, mas quase sempre está em ponto de bala para proferi-los como quem sabe da “realidade” (afinal, eu leio a veja toda semana)
dizem que a poesia é delírio. mas em meados do século xx, em lugares mais precários do nordeste onde não chegava a imprensa escrita (ou o povo não sabia ler) e mesmo o rádio só chegava cheio de chiado, ninguém acreditava em nada enquanto não vinha o cordelista com a sua rabeca e versejava as notícias tintim por tintim.
o conceito de realidade está muito ligado a seus inversos: ficção (que é a vida) e auto-engano. e eis que aparece eduardo giannetti dizendo “só engana a si mesmo quem não quer fazer isso.” e é por esse meio que acabamos por nos esquecermos de que a origem da incapacidade brasileira para falar de política não está na decepção, como supõe a maioria, mas por causa do medo (essa droga pesada): “se cumpade fala mau do patrão, o patrão vem e ouve e mata, sô!”
e assim a teoria da realidade acaba por engolir o próprio rabo, nos colocando de novo e sempre diante das velhas questões: o que é? quem é? como é? de onde emana? para que serve? somos nefelibatas então? é esse o enigma? a realidade é o jardim dos sendeiros que se bifurcam?
terça-feira
o jaguadarte nas terças poéticas

a notícia vai meio em cima da hora. mas ainda dá tempo: o ricardo aleixo se apresenta hoje lá no palácio das artes, às 18h30 no projeto terças-poéticas. falará poemas do seu livro mais recente: o "máquina zero", além de poemas de sebastião uchoa leite, falecido em 2003, o homenageado da vez. nos vemos lá. ah, uma dica: o livro estará à venda por apenas R$10,.
quinta-feira
men at work
angeli: a biografia não autorizada de fhc

vai haver a luta contra o m.a.l (movimento anti-lula)?
quarta-feira
lubricidade
quizéra ser a serpe venenosa
que dá-te medo e dá-te pesadelos
para envolver-me, ó Flor maravilhosa,
nos flavos turbilhões dos teus cabelos.
quizéra ser a serpe veludosa
para, enroscada em múltiplos novelos,
saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
e babujá-los e depois mordê-los...
talvez que o sangue impuro e flamejante
do teu languido corpo de bacante,
da langue ondulação de águas do rheno
estranhamente se purificasse...
pois que um veneno de aspide vorace
deve ser morto com igual veneno...
esse poema-angorô, sonata serpeante em 's' e 'z' é do cruz e sousa,
que comemora seus 145 aninhos esse ano.
segunda-feira
direito autoral: seja criativo
quinta-feira
dansa é com “s” ou com “ç”?
quarta-feira
a divertida história do padre que se pintou
segunda-feira
tem kafka no kafé k

quinta-feira
áfrica, essa desconhecida
terça-feira
deu ontem no O (perda de) Tempo
mesmo assim, na página impressa, aparecem equívocos e distorções. na legenda sob a minha foto, o editor declara que estou “desiludido com as leis de incentivo e os concursos literários”. ora bolas, eu jamais diria uma bobagem dessas. as leis de incentivo são uma excelente conquista para quem produz e vive de bens culturais. são passíveis de críticas, é claro, como tudo nesta vida (e especialmente no nosso país da batucada). mas eu não diria propriamente que estou “desiludido”. na verdade, podem achar paradoxal, mas eu nem mesmo lamento o estreito espaço que existe para os “neófitos”.
o que eu queria dizer, e não está expresso no artigo, é que o poeta iniciante que se ilude com a idéia de recorrer à lei pode ficar decepcionado com o resultado. e que, se o escritor pretende realmente publicar suas palavras, que recorra a algo mais certo, e isso em linguagem poética quer dizer que ele deve “fazer justiça com as próprias mãos”. é assim há muito tempo, não há nada de mais. pelo contrário, é sinal de a(r)titude. e o papel do artista na nossa sociedade não é o de sair publicando livros por aí: é fazer com que a bomba exploda em algum lugar. e isso não acontece se não houver atitude.
eu poderia ficar aqui citando uma imensa lista de nomes: borges, juan gelman, manuel bandeira, drummond, paul éluard e por aí vai. infelizmente (ou felizmente) todos eles tiveram que bancar o seu primeiro livro. c’est la vie. é como me disse o meu amigo ian guest: “não adianta ficar lutando contra os buracos na calçada”.
concordo com o juan: o simples fato de existir pessoas fazendo poesia já é um ato subversivo, mas isso não quer dizer que essa pessoa vai arranjar editores da noite pro dia porque revelação é uma coisa e subversão, outra muito diferente. e, não dá pra esperar que aconteça como na música, na prosa e nas artes dadas ao consumismo: o escritor precisa mesmo é ralar ralar ralar. não apenas para ser um bom escritor: alguns dos nossos melhores poetas, de pedro kilkerry a sebastião nunes, quase não são lidos.
a lista dos mais vendidos é uma das manifestações do que eu chamo de “desvios psíquicos da imprensa de rapina”: só tem serventia na sociedade consumista. e o público leitor de poesia (multidão de sanchos panças), no momento em que estão procurando versos para ler, não se encaixa nessa dita sociedade. “o sucesso não vem por acaso”, não é seu lair?
mas, enfim, podemos sobreviver a esse jornal. afinal, imprensa é assim mesmo. não se preocupa muito com a exatidão das palavras, muito menos com o que vão pensar (d)os seus entrevistados. e pra terminar bonito essa bonita postagem, vou citar o jorge luís borges (quem diria!) que diz: “passemos à poesia; passemos à vida. e a vida, tenho certeza, é feita de poesia.” (atenção: feita de poesia, não de jornalismo) e para completar os dizeres do velho jorge: “livros são apenas ocasiões para a poesia”. precisa dizer mais?
domingo
campanha de popularização do teatro
em belo horizonte, todo mundo sabe: para quem não sai para a praia no verão, tem a campanha de popularização do teatro. há pouca movimentação cultural para além disso na cidade. os artistas esquecem a existência, as galerias fecham (a maioria), os músicos vão para o litoral baiano, só alguns poetas ficam por aqui fazendo o mesmo de sempre: reclamar e tomar café. uma cervejinha de vez em quando também.
mas a campanha de popularização do teatro, também conhecida como campanha das kombis, é um projeto interessante. não é um festival. não é uma celebração. não é uma iniciativa governamental. tenho a impressão de que é quase um protesto público dos atores que dizem “hei, nós existimos”. e, vendendo seus ingressos a um preço único e módico (este ano está custando R$7,00), o teatro mineiro contemporâneo, pouco a pouco, acabou por tomar um fôlego, produzindo peças que vão além das meras comédias de pornografia para a família e piadas baratas sobre o homossexualismo com péssimos atores.
este ano a campanha está na 32ª versão. pouca coisa dura tanto tempo nesse país da batucada. a cena belorizontina fica fria o ano inteiro. então, no calor do verão, os atores se empenham e apresentam dezenas de peças que atendem a todos os gostos e de todas as qualidades. a idéia é tão interessante que não entendi ainda por que os artistas das outras áreas não criaram algo parecido para eles. imagino que um projeto assim voltado para a música, a poesia, mesmo para as artes plásticas, poderia ser o princípio de um acontecimento inédito no país: a possibilidade real de interação entre artistas e público.
luna lunera e a peça "não desperdice sua única vida ou..."

mas como eu não queria vender nada, só queria puxar assunto com os leitores, achei que pelo menos podia colocar aqui nesse blogue um convite para vocês irem assistir. está na campanha de popularização do teatro até o dia 19 de fevereiro. assistam e comentem comigo.
segunda-feira
fórum social mundial
domingo
em 2006 ou é sempre bom dar uma reclamadinha
quarta-feira
nei lopes e as áfricas em nós


agora, pesando os dois lados da balança, não seria mais óbvia a suposição de nei lopes? afinal, já temos tantas palavras bantas no nosso vocabulário corrente e oficial! samba, bunda, dendê, inhame, mulungu, zumbi, cochilo... e por aí vai.
só nos resta concluir que os nossos aplicados filólogos mergulham desesperados nos tratados de latim e grego, procuram saber sobre nossas origens indo-européias, acham fontes em tudo quanto é lugar, mas se esquecem de algo muito simples: o brasil é quase a áfrica.

ah, ele tem também um blogue: meu lote, visite, vale a pena..
terça-feira
jacques prévert
três poemas que traduzi de j.p.
dedicados ao meu amigo eclair antônio almeida filho
um homem e uma mulher
nunca se viram
vivem muito longe um do outro
e em cidades diferentes
um dia
eles lêem na mesma página de um mesmo livro
ao mesmo tempo
no segundo segundo
do primeiro minuto
de sua hora derradeira
exatamente
.......
um único pássaro na gaiola
a liberdade está de luto
oh, minha juventude
deixa para minha alegria de viver
a força para te matar
........
o tempo
traz a vida dura
àqueles que querem matá-lo